PARA O INFINITO E MAIS ALÉM

PARA O INFINITO E MAIS ALÉM

A amamentação é influenciada por vários fatores, cujos efeitos podem ter consequências significativas para a mãe e para o bebé em relação ao desenvolvimento emocional e na saúde mental de ambos. Amamentar será sempre um processo complexo, cuja frequência e duração são alvos de fatores de várias dimensões.


Se queremos promover a amamentação e melhorar as condições para as mães a conseguirem praticar com sucesso e de modo prazeroso, temos que ir mais além e não restringir o processo a apenas alguns dos seus determinantes. Temos que aumentar a nossa compreensão para colocar em prática ações mais reais e efetivas, tendo em conta a particularidade do contexto de cada mulher.


IMPORTÂNCIA INFINITA


A Organização Mundial de Saúde (OMS) sublinha a importância do aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de vida do bebé, e a sua continuação até, pelo menos, aos dois anos de vida, em complementaridade com a introdução gradual de outros alimentos.

Não é à toa que o leite materno é considerado como o alimento ideal para o saudável desenvolvimento do bebé. Isso acontece porque ao longo dos anos e com o avançar da ciência, imensos estudos chegam à mesma inegável conclusão.


O leite materno apresenta vantagem nutricional, reduz a mortalidade infantil, tem um papel essencial na imunidade enquanto bebé e futura criança, e propicia um melhor desenvolvimento odontológico e fonoaudiológico, prevenindo possíveis problemas ao longo das várias etapas do crescimento nessa vasta área.


Também são evidenciados os benefícios na redução de custos com a alimentação do bebé, o favorecimento da recuperação da mãe no pós-parto e da involução uterina, a redução de perdas de sangue e a redução na probabilidade de incidência de cancro da mama.

A lista dos benefícios não acaba aqui – parece infinita, não é? - e foco então o ponto principal deste artigo. As evidências científicas destacam o aleitamento materno como um forte contributo para o adequado desenvolvimento psicomotor, cognitivo e afetivo da criança, fortalecendo o vínculo da dupla mãe/bebé. A componente emocional da amamentação é muito importante para ambas as partes e arrisco-me a dizer que pouco explorada pela comunidade de consultoria de aleitamento materno.


CONCEITOS WINNICOTTIANOS


Segundo Winnicott, a amamentação pode ser uma experiência de intimidade e união que proporciona sentimentos de satisfação, prazer e sensação de plenitude e de preenchimento para a dupla mãe/bebé. Mas isto só poderá acontecer se a mãe desejar realmente amamentar e dispuser de disponibilidade interna para o fazer.


Existem inúmeras formas de a mãe e o bebé se conectarem para além da amamentação, mas para Winnicott, quando esta é bem estabelecida, forma um vínculo muito especial. Vamos perceber porquê.

“Ao nascer, o bebé ainda não está constituído psiquicamente, o que requer que o ambiente – de modo preferencial a mãe – apresente condições suficientes de continência que lhe proporcionem a experiência de plenitude e de “sustentação”, a qual Winnicott (1983) denominou de holding, em vista de a criança se encontrar, no início da vida, em um estágio de dependência absoluta, em que demanda um vínculo fusional com a figura materna. À medida que se estabelece tal condição, progressivamente o bebé se desenvolve para o que o autor chama de dependência relativa, na qual ele precisa diminuir gradativamente o vínculo fusional, para se libertar da necessidade da presença contínua da mãe e atingir o estágio de independência, no qual se percebe, então, como um ser separado da mãe, diferenciando algo interior a si mesmo de algo que lhe é exterior.”1

A passagem por estes estágios e a qualidade destas experiências é muito importante para o desenvolvimento emocional saudável do bebé.“(… ) O ambiente suficientemente bom (no início representado pela mãe) e o potencial herdado constitucionalmente são dois aspectos fundamentais e correlacionados no processo de desenvolvimento. Entretanto, o segundo é dependente do primeiro, sendo este um facilitador, ou não, do potencial herdado. Para que se estabeleça um vínculo adequado entre a mãe e seu bebé são necessárias certas condições, destacando-se inicialmente uma especial sensibilidade materna, que Winnicott chamou de “preocupação materna primária”, que seria um estado psíquico da mãe, de extrema sensibilidade, que permite a ela intensa identificação com seu filhinho e disposição interna para suprir-lhe as necessidades e cuidados fundamentais.” 1


Este estado de disponibilidade psíquica plena da mãe (disposição interna) determina o ambiente suficientemente bom para o bebé, essencial para ele completar as fases de dependência absoluta, de dependência relativa e finalmente, de independência. Considerando a fragilidade inicial do bebé, ele necessita que a realidade externa lhe seja apresentada gradualmente, sem imposição taxativa, antes dele próprio estar preparado para a assimilar. Assim, percebe-se o papel fulcral que a disposição interna da mãe tem no desenvolvimento emocional do bebé.


Também é igualmente importante ressalvar que amamentar “por amamentar” não garante o estabelecimento de um vínculo adequado entre mãe e bebé. Se a mãe se sentir obrigada a fazê-lo, por convenção ou imposição, a prática da amamentação nessas condições poderá levar a sentimentos de ansiedade e conflitos internos, causando mais prejuízos que benefícios, “principalmente para aquelas mães que se sintam impossibilitadas de amamentar, por inúmeras razões internas e, ou, externas, conscientes ou não. 1


ENQUANTO CONSULTORA OU FUTURA CONSULTORA


Como consultora ou futura consultora, está nas tuas mãos perceber o contexto da mãe que se apresenta diante de ti, o que na maioria das vezes não é fácil. Questionar o percurso da gravidez e do parto, do contexto familiar, da rede de apoio pessoal e profissional que dispõe, são tópicos importantes que te ajudam nesse sentido.


Se o teu objetivo é ajudar a mãe a conseguir ter uma amamentação tranquila e prazerosa, passa também por ajuda-la a atingir um sentimento de vinculação satisfatória ao bebé. Assim, faz todo o sentido tentar verificar a real disposição interna da mãe para o bebé, e perceber melhor até onde podes ir com aquela mãe, sem gerar sentimentos desfavoráveis à amamentação.


Não deves generalizar a capacidade e disponibilidade da mãe para amamentar. O teu papel deverá ser assistir as suas dúvidas, dificuldades e angústias na área do aleitamento materno, sem desconsiderar o contexto onde a mãe está inserida, os seus aspetos psíquicos e singulares, funcionando como ponte para o encaminhamento de outros profissionais sempre que equaciones necessário (mesmo que depois se venha a concluir que não era).


1 O processo de amamentação e suas implicações para a mãe e seu bebé. Paulo José da Costa e Bárbara Moreira do espírito santo Locatelli. Mental - ano VI - n. 10 - Barbacena - jan.-jun. 2008 - p. 85-102

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